Que é um concílio? É a assembléia de todos os Bispos do mundo ou de uma
representação dos Bispos do mundo inteiro que, em comunhão com o Bispo
de Roma e Sucessor de Pedro, procura esclarecer questões de fé, de moral
ou da vida prática da Igreja. Os concílios são momentos fortes e
importantíssimos para a vida de toda Comunidade dos discípulos de
Cristo. Em certo sentido, um primeiro encontro assim deu-se em
Jerusalém, na época dos Apóstolos, para decidir uma grave questão: os
pagãos que se convertessem ao cristianismo precisavam ou não cumprir a
Lei de Moisés e o Antigo Testamento. A resposta foi: “Pareceu bem ao
Espírito Santo e a nós dispensar os cristãos de cumprirem os preceitos
do Antigo Testamento” (cf. At 15,1-35). Ao longo da história da Igreja
ocorreram ao todo vinte e um concílios ecumênicos. “Ecumênico” aqui não
significa que seja uma reunião com outras religiões. Ecumênico significa
apenas que o Concílio vale para toda a Igreja; isso para distinguir dos
concílios regionais ou nacionais, com Bispos só de uma região ou de um
país. Os concílios ecumênicos têm, pois, autoridade sobre toda a Igreja
de Cristo, pois aí está reunido o Colégio dos Bispos juntamente com o
Papa, como o Colégio dos Apóstolos juntamente com Pedro. A fé nos ensina
que os participantes de um concílio gozam de especial assistência do
Espírito Santo: “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós...” (At 15,28).
Pois bem, neste artigo e nos próximos pretendo apresentar um pouco dos
documentos principais do Concílio, de suas idéias e sua importância para
a vida da Igreja.
O Vaticano II foi convocado pelo Beato Papa João XXIII em 25 de
dezembro de 1961, foi solenemente aberto por ele em 11 de outubro de
1962 e foi encerrado pelo Santo Padre Paulo VI em 8 de dezembro de 1965.
Que pensamentos moveram o Papa João XXIII a convocar o Concílio? Ele
considerava que estávamos entrando num período grave da história humana:
“A Igreja assiste, hoje, a uma crise que aflige gravemente a sociedade
humana. Obrigações de gravidade e de amplitude imensas pesam sobre a
Igreja”, dizia o Papa na Constituição Apostólica Divino Redentor, que
convocou o Concílio. O grande problema que ele via era que “a sociedade
moderna caracteriza-se por um grande progresso material ao qual não
corresponde igual progresso no campo moral. Daí o impulso para a procura
quase exclusiva dos gozos terrenos, que o avanço da técnica põe, com
tanta facilidade, ao alcance de todos”. O Papa nem imaginava o quanto
isso iria se agravar! Mas ele não era pessimista: via “sinais dos
tempos” positivos e prometedores: a Igreja não estava sofrendo
perseguição (somente nos países comunistas), depois da II Guerra, havia
um desejo de paz, solidariedade e entendimento entre as nações, havia um
maior desejo de união entre os cristãos, o Papa pensava que os meios
tecnológicos iriam ajudar a Igreja a difundir melhor o Evangelho e,
finalmente, julgava que o mundo estaria mais aberto para dialogar com a
Igreja.
O Santo Padre sempre deixou claro que este novo Concílio deveria sempre
estar em continuidade com os outros vinte anteriores e deveria ser fiel
à Tradição e à fé perene da Igreja de Cristo. E não poderia ser de
outro modo. Escutemo-lo no discurso de abertura do Concílio: “É bem
natural que, inaugurando o Concílio Ecumênico, nos apraza contemplar o
passado, para ir recolher, por assim dizer, as vozes, cujo eco animador
queremos tornar a ouvir na recordação e nos méritos, tanto dos mais
antigos, como também dos mais recentes Pontífices, nossos predecessores:
vozes solenes e venerandas, elevadas no Oriente e no Ocidente, desde o
século IV até à Idade Média, e desde então até aos nossos dias, que
transmitiram desde aqueles Concílios o seu testemunho; vozes a aclamarem
em perenidade de fervor o triunfo da instituição divina e humana, a
Igreja de Cristo, que recebe dele o nome, a graça e o significado”. Seu
desejo era que a Igreja anunciasse a verdade de Cristo integralmente: “O
grande problema, proposto ao mundo, depois de quase dois milênios,
continua o mesmo. Cristo sempre a brilhar no centro da história e da
vida; os homens ou estão com ele e com a sua Igreja, e então gozam da
luz, da bondade, da ordem e da paz; ou estão sem ele, ou contra ele e
deliberadamente contra a sua Igreja: tornam-se motivo de confusão,
causando aspereza nas relações humanas, e perigos contínuos de guerras
fratricidas”. O Papa desejava muito que, com o Concílio, a Igreja
encontrasse um modo mais atual de apresentar ao mundo a verdade de
sempre. Nada de mudar a doutrina e a moral, nada de amolecer o
Evangelho, mas apresentá-lo de um modo mais compreensível ao mundo de
hoje: “O que mais importa ao Concílio Ecumênico é o seguinte: que o
depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma
mais eficaz. Essa doutrina abarca o homem inteiro, composto de alma e
corpo, e a nós, peregrinos nesta terra, manda-nos tender para a pátria
celeste”. O Papa recordava, então, o dever da Igreja de empenhar-se em
incentivar a humanidade nas suas tarefas tanto individuais quanto
sociais, mas recordava que “é necessário primeiramente que a Igreja não
se aparte do patrimônio sagrado da verdade, recebido dos seus maiores; e
ao mesmo tempo, deve também olhar para o presente, para as novas
condições e formas de vida introduzidas no mundo hodierno, que abriram
novos caminhos para o apostolado católico”.
Finalmente, o Papa esperava que o Concílio tivesse uma preocupação
sobretudo pastoral, uma preocupação de fazer o possível para promover a
compreensão entre os cristãos separados da Igreja católica e que usasse
mais “o remédio da misericórdia do que o da severidade”.
Foram estes os objetivos de João XXIII. Ele morreu logo. Quem continuou
o Concílio foi o Santo Padre Paulo VI. Para facilitar o seu andamento, o
novo Papa organizou assim as discussões: o tema central do Concílio
deveria ser a Igreja. Primeiro: que é a Igreja? Segundo: qual a sua
relação com o mundo atual? Daí surgiram os principais documentos
conciliares: a Lumen Gentium (que é a Igreja?), a Dei Verbum (como Deus se revelou e como a Igreja guarda essa revelação?), a Sacrosanctum Concilium (como a Igreja celebra o mistério de Cristo?) e a Gaudium et Spes (como a Igreja se coloca no mundo?).
São estes os grandes documentos conciliares, que pretendo apresentar nos próximos artigos. Até lá.
Côn. Henrique Soares da Costa
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