Eis outro documento importantíssimo do Concílio Vaticano II: a Constituição Dogmática Dei Verbum,
sobre a Revelação. A tentação nossa é pensar logo que este documento
trata da Bíblia. Errado. Para o cristianismo revelação não é a Bíblia,
não é um livro, é uma Pessoa: Jesus Cristo, rosto e palavra de Deus para
nós, cheio de graça e de verdade. E mais, não um Jesus qualquer, fruto
simplesmente de uma pesquisa ou de uma opinião de algum erudito. O Jesus
Cristo real, vivo e vivificante é aquele crido, adorado, vivido e
testemunhado pela Igreja. É ele a Revelação!
A Dei Verbum compõe-se de um proêmio, isto é, uma introdução e seis capítulos. Vamos a eles.
Já na sua introdução, o Documento deixa claro que o Concílio (e a
Igreja) coloca-se debaixo da Palavra de Deus, que é Jesus Cristo (cf. DV
1). Depois, no capítulo I, passa a tratar do que é a Revelação divina:
Deus, por livremente, no seu amor e sabedoria quis revelar-se aos homens
por meio de Jesus Cristo para chamá-los a participar da vida divina.
Então, o Senhor Deus não quer revelar coisas, mas deseja revelar seu
coração amoroso. A Revelação é um diálogo de Deus com a humanidade
através de sua Palavra eterna feita carne, Jesus. Este diálogo é para
nos levar à vida com Deus, a vida eterna, nossa plenitude (cf. DV 2).
Depois a Dei Verbum mostra como esta revelação foi sendo
preparada ao longo da história, preparando para Jesus: na própria
criação Deus já se manifesta pela sua amorosa providência, na eleição de
Abraão, nosso Pai na fé, na aliança com Israel e na palavra dos
profetas. Assim Deus foi preparando Israel e a humanidade para Jesus
Cristo (cf. DV 3). Finalmente, chega Jesus, plenitude da revelação: Ele é
a própria Palavra de Deus feita gente, feita carne. Nele Deus se deu a
nós totalmente (cf. DV 4). Ainda neste capítulo primeiro coloca-se a
questão: como receber esta revelação de Deus? Qual a nossa atitude, a
nossa resposta? A Dei Verbum responde: “A Deus revelador, é
devida a obediência da fé!” (DV 5). Em outras palavras: a Revelação deve
ser acolhida com fé, com aquela abertura amorosa e disponível que
atinge e engloba a pessoa como um todo. A Revelação não é um conjunto de
informações para a inteligência, mas Alguém que vem ao nosso encontro e
a quem devemos acolher com todo o nosso ser. No entanto, a Revelação
inclui também verdades reveladas que devem ser cridas porque foram
reveladas por Deus (cf. DV 6).
O capítulo II trata da transmissão da Revelação. Eis as idéias mais
importantes: Cristo, Revelação do Pai, confiou a Revelação aos apóstolos
que pregaram, viveram e, por inspiração do Espírito Santo, colocaram
por escrito a mensagem salvífica. Para que essa mensagem de salvação
continuasse viva na Igreja os Apóstolos deixaram os Bispos como seus
sucessores e guardiões verdade salvífica, contida na Tradição oral e na
Sagrada Escritura (cf. DV 7). Quanto à Tradição apostólica, ela abrange
tudo aquilo que coopera para a vida santa do Povo de Deus e para o
aumento da sua fé. Onde está a Tradição? Na doutrina, na vida e no culto
da Igreja, que é guiada pelo Espírito Santo. Compete aos Bispos em
comunhão com o Papa o discernimento da Tradição apostólica, que vai
sempre progredindo na Igreja sob a inspiração do Santo Espírito (cf. DV
8). Ainda quanto à Tradição: ela está intimamente unida à Sagrada
escritura, pois ambas dão testemunho do mesmo Cristo. Escritura e
Tradição devem ser recebidas e veneradas com igual reverência (DV 9).
Compete aos Bispos em comunhão com o Papa a interpretação última seja da
Escritura seja da Tradição: eles receberam autoridade de Cristo para
isso e nesse discernimento são guiados pelo Espírito Santo (cf. DV 10).
O capítulo III afirma que a Escritura é toda ela inspirada por Deus,
pois os seus autores escreveram por inspiração do Espírito Santo, de
modo que, mesmo que cada autor dos livros bíblicos tenha seu estilo e
sua visão, o autor final da Escritura é o próprio Deus e a Bíblia é
realmente palavra de Deus que nos transmite a verdade para a nossa
salvação. Não se trata de verdade científica ou histórica, mas a verdade
sobre Deus, sobre o homem e sobre o sentido da vida e do mundo (cf. DV
11). Por isso mesmo, a interpretação correta da Bíblia requer que se
conheça a cultura do povo da Bíblia, a mentalidade e intenção do autor
sagrado, bem como o gênero literário em que tal ou qual obra foi
escrita. Sem contar que toda interpretação deve estar de acordo com o
Magistério da Igreja (cf. DV 12). Uma coisa é certa: seja o simples
crente, seja o estudioso erudito, deve procurar o sentido último da
Escritura em Cristo e procurar interpretá-la no mesmo Espírito Santo que
a inspirou e a entregou à Santa Igreja (cf. DV 21).
Depois, no capítulo IV, a Dei Verbum recorda
que o Antigo Testamento é Palavra de Deus e prepara para o Cristo e,
por isso, somente pode ser bem compreendido à luz de Cristo. No capítulo
V, fala do Novo Testamento, mostrando que ele é mais excelente que o
Antigo porque é o cumprimento em Cristo daquilo que o Antigo anunciava.
Ensina também que os evangelhos são de origem apostólica e contêm uma
interpretação segundo a fé e inspirada pelo Espírito da vida, palavras e
missão de Jesus Cristo.
Finalmente, o capítulo VI recorda a veneração que a Igreja tem pelas
Sagradas Escrituras como Palavra de Deus e exorta os fiéis a que se
alimentem dessa santa Palavra para o bem de sua vida espiritual e da sua
vida moral. Também recorda que a Sagrada Escritura deve ser a alma da
Teologia. Exorta os ministros sagrados a que preguem a Palavra,
sobretudo cuidando bem das homilias na Santa Missa. A celebração da
Eucaristia é o lugar por excelência para se proclamar e escutar a
Palavra de Deus, pois aí, a Palavra anunciada, que é Jesus Cristo,
faz-se carne que alimenta e dá vida. A salvação anunciada na Escritura é
celebrada na Páscoa eucarística.
Eis, em linhas gerais, a belíssima Dei Verbum.
Côn. Henrique Soares da Costa
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¹ Esse artigo foi publicado originalmente em 10 de maio de 2009
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